Julieta Hernández Presente

Giselle Rose Delago
3 min readJan 13, 2024

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Quando eu li sobre o que aconteceu com a Julieta, eu estava hospedada sozinha, num chalé em Ilhabela. Um lugar relativamente “seguro” para uma mulher que viaja desacompanhada. O “seguro” parece existir sempre entre aspas, pois não existe lugar seguro algum, no mundo, para uma mulher viajar sozinha.

Fiquei lendo as reportagens e sentindo o medo e a dor que Julieta deve ter sentido. Voltei a ter medo.

Quando cheguei onde estava hospedada, a dona da casa comentou que também havia mais duas mulheres, viajando sozinhas hospedadas ali. Senti-me segura. O sentimento foi o mesmo de quando andamos na rua sozinhas à noite e, em vez de encontrar um homem pelo caminho, encontramos uma mulher. A tranquilidade me pegou. E eu dormi a primeira noite com a porta aberta do chalé. Não aberta apenas sem ter trancado com a chave, mas literalmente aberta, pois tinha um gatinho que ficava no chalé comigo e eu achei que ele, em algum momento, poderia sair. Imaginei que o lugar que eu estava tinha apenas mulheres, o que me gerou confiança.

E isso que me tocou… a confiança. Fiquei imaginando Julieta na sua caminhada.

Imaginei Julieta pedalando e fazendo espetáculos por muitos lugares que eu nem sonho em passar. E por onde ela passava, encontrava apenas pessoas gentis e legais com ela. Isso gerou uma confiança para que ela avançasse cada vez mais. Percorresse mais lugares, conhecesse mais pessoas. Talvez Julieta ainda mantivesse o olhar atento, a desconfiança, mas esse encontro com pessoas legais foi fazendo com que ela tivesse coragem de avançar cada vez mais por lugares em que, normalmente, mulheres sozinhas não iriam por medo.

A ideia do perigo vai se dissolvendo. A sensação de ser mulher e de vencer medos faz a gente avançar, faz a gente querer ocupar mais lugares em viagens que normalmente são homens que estão ocupando.

Até que Julieta encontrou um homem em seu caminho, que achou que o corpo dela era dele, apenas por ela ser uma mulher viajando sozinha.

E é isso, para alguns homens, uma mulher viajando sozinha é um convite. Um convite de que o corpo dessa mulher é dele para que ele faça o que quiser. Para que o violente, como fez com Julieta Hernández.

Julieta era uma mulher, viajando sozinha, que mostrava para outras mulheres que o mundo pode ser, sim, nosso. Mas ela foi parada por um homem. Essa sua jornada foi encerrada brutalmente. Tal como um lembrete para todas nós, de que não estamos seguras.

Mas já sabemos disso. Julieta sabia. Eu sei. Você sabe. O sentimento do medo constante nasce com a gente. O medo de ser mulher.

Quando veio a confirmação da morte violenta de Julieta, uma parte de mim morreu junto. Minha coragem de avançar, viajando por outros estados do Brasil, morreu. O medo voltou a me atingir.

No mundo ideal, Julieta estaria bem. Agora, talvez, estaria se despedindo de novo da sua família, pegando sua bicicleta, e viajando sozinha pelo mundo.

Mas, nesse mundo, mulheres ainda são vistas como propriedade, como algo descartável, como algo… uma coisa… e não uma pessoa.

Eu ainda continuarei levantando a bandeira de que devemos viajar sozinhas, fazer rolês sozinhas. Continuarei subindo a hashtag #datecomigomesma. Pois é importante a gente avançar, ocupar lugares sozinhas e não deixar de fazer algo por medo do que podemos encontrar no caminho.

Hoje, eu tenho medo. Hoje recuo um pouco nessa ideia. Sinto pela Julieta.

Mas Julieta sempre estará presente. Estará comigo nas próximas viagens, nos próximos passeios sozinha. Aliás, não estarei sozinha, estarei levando Julieta e sua coragem comigo.

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