Café Suspeito

Giselle Rose Delago
3 min readDec 19, 2023

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Clara estava sentada no café aguardando Gustavo.
Era um café na Liberdade que eles gostavam muito. Só tinha dois atendentes. E eles só falavam Mandarim. Então para pedir algo, tinha que ser apenas gesticulando. Gustavo estava atrasado, como sempre.
Clara começou a construir pensamentos sobre o lugar, quando Gustavo chegou e se sentou a sua frente.

-desculpa o atraso.

Ela parecia distraída. Mas olhava diretamente para ele. Disse meio baixo.

-tudo bem.

Clara desviou o olhar. Gustavo seguiu para ver o que ela estava observando. Olhava os atendentes conversando algo animado entre si.

-você não acha esse lugar esquisito?

Gustavo riu, sabia que não ficaria monótomo aquele diálogo.

-eu acho que esse lugar entraria em alguma outra categoria de esquisito.

-pois é! Para começar, a fachada desse lugar.

Gustavo lembrou do dia que os dois pararam na frente do local, confusos. A fachada, toda em Mandarim, só tinha uma palavra escrita em português: café. E uma imagem desbotada de uma xícara com café, talvez para se certificarem que a comunicação ia funcionar.
Era um lugar pequeno, com uma abertura pequena, nada pensado em acessibilidade.
Ao lado da porta aberta da entrada, ficava outra parte de madeira, com uma janela de vidro.
O lugar era estranhíssimo e vivia vazio.
Eles acharam que seria o lugar perfeito para colocar seu plano de fuga fora do papel.
Gustavo ficou em silêncio enquanto lembrava do dia que foram a primeira vez no local e puxava na memória a fachada.
Clara quebrou o silêncio.

– para começar eles só servem chá, sendo que na faixada tem claramente apenas a palavra café.

-e ainda é um chá muito ruim. Me pergunto porque continuamos vindo aqui?

– talvez porque os atendentes não falam português e com isso podemos falar sobre nosso plano sem medo de ser pegos.

-será que eles não entendem nada de português?

– pensou, na real isso é um disfarce e eles entendem tudo que a gente fala.

Gustavo e Clara pararam e ficaram observando os atendentes ao fundo do estabelecimento, que continuavam conversando animados.

– será que tem alguma palavra que seria o código secreto para eles chamarem a polícia para gente?

– polícia ou alguém da máfia?

– nos escolhemos esse lugar, ou esse lugar que nos escolheu?

– e se na real, os atendentes sempre foram brasileiros, mas pagaram para eles irem embora e esses dois estão aqui só nos espionando.

– podiam dar um chá melhor, pelo menos

– ou podiam nos contar do que eles tanto dão risada.

– eu acho que eles dão risada de piada sobre pintinho

Clara ficou parada esperando a reação do Gustavo, que já estava com um sorriso no rosto e perguntou para ela:

– qual piada do pintinho?

– ah aquela, sabe, do pintinho que não tinha cu, foi peidar e explodiu

Clara contou essa piada o mais sério que ela conseguiu. Mas não manteve a seriedade, pois Gustavo caiu na risada e ela acompanhou. Os dois ficaram rindo alto, então Gustavo falou ainda rindo:

– gostaria de ver você contando essa piada em mandarim.

Clara continuou rindo e disse:

– se a gente continuar frequentando aqui, eu aprendo.

E os dois continuaram rindo. Suas risadas fizeram os atendentes os observarem e todos estavam rindo juntos. Cada um com sua piada.

No fim, o lugar com cara de abandonado, que ficava tocando ao fundo uma música chinesa com um chiado, ganhou sons de risadas felizes.

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